sábado, 29 de março de 2008

Herculano e a Religião (Parte II)

O autor da História do Estabelecimento da Inquisição em Portugal, era contra o totalitarismo religioso e político. Discordava do direito divino atribuído aos reis, mas de modo algum aceitaria esse título para as massas populares, como se diz hoje. Era pelo Estado de Direito que, por vezes, como a História atesta, bem tortos foram. Recordo-me do totalitarismo recente de Hitler, e da incoerência popular no tempo de Cristo, que da saudação Bendito o que vem em nome do Senhor, passou a vociferar Crucifica-o, Crucifica-o. O povo diz coisas arrevessas, como aliás certos governantes. Alexandre Herculano, e com ele, todos os homens de bem, e bem formados, nunca podem ser pela violência física ou pela desordem. Pugnarão sempre pela Lei, pelo Direito, pela Liberdade responsável (dos adultos) e Liberdade condicionada (para irresponsáveis, quer se trate de crianças ou adultos), assim como pelo progresso, pela ordem, pela moral sem moralismo, isto é, defender a moral sem deixar de defender os demais princípios sociais, como a ciência, a técnica, etc.

Dois anos depois, aparecia a Harpa do Crente, dedicado ao Marquês de Resende. Neste seu trabalho, encontramos passos como estes: Creio que Deus é Deus, e os homens livres; Irei pedir aos túmulos dos velhos religiosos entusiasmo, querendo dizer que, antigamente, havia mais entusiasmo entre os crentes, do que no seu tempo. De facto, todo e qualquer cristão precisa ser um entusiasta da fé. Os cristãos devem ser estimulados à emoção da fé, tendo por incentivo a firmeza da fé e nunca o fanatismo religioso. Alguém disse e eu creio-o: O entusiasmo enaltece o espírito, a crítica esclarece-o.

Pelo facto das igrejas evangélicas utilizarem, de sempre, instrumentos musicais no culto, acho bem transcrever esta passagem de Herculano ligada ao mundo da música: O orgão é um instrumento propíssimo para acompanhar os hinos religiosos. Os Protestantes apartando-se da comunhão romana, e fazendo voltar o culto quase a simplicidade primitiva, conservam nos seus templos este instrumento, cujos sons melodiosos, e ao mesmo tempo severos, adaptaram-se tão bem às igrejas que suscitam os cantos da igreja. O primeiro orgão, que se viu no Ocidente da Europa, foi o que mandou, em 758, Constantino Coprónimo, Imperador de Constantinopla, a Pepino, pai de Carlos Magno. Depois o seu uso tornou-se quase exclusivo dos templos. Nota agradável. Todavia, existe uma opinião generalizada de que hoje em certas igrejas evangélicas, usa-se e abusa-se de músicas de ritmos menos próprios. A música deve solenizar o culto.

No seu trabalho, Pároco da Aldeia, feito por volta dos seus 25 ou 26 anos, levado à escrita quando ainda se encontrava sob os traumas do exílio, não admira que o conteúdo seja o que é: um libelo contra o Anglicanismo (que de modo algum é o Protestantismo histórico e muito menos o Cristianismo Evangélico). Eis o que disse daquele o autor de Eu e o Clero (epístola severa contra o mau uso e abuso do catolicismo ultamontano): O puritanismo protestante achou nalgum alfarrábio velho ter sido instituído por Cristo. Tinha razão, visto que nem o puritanismo protestante, nem o catolicismo romano, devem sua existência a Cristo, pelo menos nas formas daquela época. Ainda hoje, o cristianismo evangélico, bíblico, e não biblicista, continua mal conhecido (em teoria) e desconhecido (na prática), mesmo nos países que se orgulham de [ser] Católicos ou Protestantes. As coisas começam a mudar, mas lentamente.

(Continua)


António Costa Barata
Novas de Alegria, Julho de 1978

 
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