sexta-feira, 28 de março de 2008

Herculano e a Religião (Parte I)


Há trinta anos, António Costa Barata escrevia na revista evangélica Novas de Alegria um artigo de homenagem a Alexandre Herculano, onde dissertava sobre o seu pensamento e a relação deste com a religião. É na minha opinião um bom texto que dá a conhecer ao leitor algumas ideias que Herculano tinha sobre a religião e as do próprio autor - um cristão evangélico - sobre a mesma.

Chamo ainda a atenção para o facto, referido no terceiro parágrafo, de Alexandre Herculano nunca ter aceitado os ideais da Reforma; porém, como poderemos constatar ao longo do texto, teria pelo estilo evangélico alguma admiração.

Publico este texto em jeito de homenagem a Alexandre Herculano, no dia em que comemoramos os 198 anos do seu nascimento.

Herculano e a Religião

Creio que a verdade liberta sem escravizar. No sentido cristão aceito o ensino evangélico: Se o Filho (de Deus) vos libertar, verdadeiramente sereis livres. Quanto à moral, perfilho o ideal de Herculano: A moral que não desça da Céu nunca fertilizará a terra. Antes de referir alguns dados biográficos do autor do Monge de Cister, aqui deixo a minha opinião quanto às homenagens aos homens pelos homens.

Ainda está vivo o costume de se darem flores aos mortos. Lembremos o dito popular: Depois de mortos… Não vejo mal algum no costume em si mesmo, porém o que pode ser mau, e em tantos casos o é, são as intenções. Tantos há que tratam mal os seus queridos, em vida, oferecendo-lhes as melhores coisas após o seu falecimento… Quanto não perseguiram, em vida, homens de valor, para depois do passamento dos mesmo elaborarem-lhes hipócritas mensagens! Por outro lado deve evitar-se o extremo oposto; Honrar os que ainda nada fizeram! O cristão precisa ser coerente. Honra ou censura a quem as merece

Como é do conhecimento geral, o governo português, através de uma Comissão Nacional, tem vindo e continua a homenagear condignamente o cabouqueiro da História de Portugal. Muitas entidades culturais e religiosas também promoveram várias actividades associadas ao centenário do nascimento e morte de Alexandre Herculano. Na qualidade de cristão evangélico, reconhecendo a honestidade e coragem do homenageado, aqui deixo estas linhas como preito de homenagem. Esse português, apesar de não ter aceite o ideal da Reforma, não deixou de ser um reformista. Contestou dogmas da Imaculada Conceição e Infalibilidade Papal, princípios ainda hoje contestados pela grande maioria Reformada.

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo, filho de Teodoro Cândido de Araújo e de Maria do Carmo São Boaventura, nasceu no Pátio do Gil, 270-275, ali para os lados de São Bento, no dia 28 de Março de 1810, ano da terceira invasão francesa sob o comando de Massena. Depois dos estudos preparatórios com os padres oratorianos, impossibilitado de continuar os estudos, motivado pelo facto de seu pai se tornar um invisual, e não por falta de interesse ou vocação, acaba por matricular-se na Aula do Comércio, que havia sido fundada pelo Marquês de Pombal. Também aprendeu o inglês e frequentou na Torre do Tombo (= arquivo dos documentos antigos e de valor nacional) as aulas da Cadeira de Diplomática. Muito haveria a dizer acerca deste homem de múltiplas facetas, mas o local em que escrevo não é apropriado para o dizer. Prefiro focar alguns dados, do seu enorme trabalho, que estão mais ligados ao carácter desta revista – o religioso.

Na Voz do Profeta (1836), investiu Herculano contra os exageros dos revolucionários de 34. Eis algumas citações: Para as turbas o cheiro do sangue é perfume suave; o roubo uma gloriosa conquista. O Senhor nosso Deus é justo; curvemos a cabeça diante da Sua providência. Em nome do Evangelho pregou-se o ódio, a vingança e o perjuro; vestia-se então a maldade dos trajes puros da religião para perpetrar impunes crimes; então a turba se arrojou ao templo, e os largos ferros dos machados cintilaram erguidos e faziam estourar as portas. Por esta pequena amostra pode saber-se que, em tempo de mudanças, sempre aparecem os maus religiosos e políticos que arrastam após si os incautos.


(Continua)
António Costa Barata
Novas de Alegria, Julho de 1978
 
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