sábado, 28 de março de 2009

Para quem tocam os sinos?

Este natal passado tive a oportunidade de ler o clássico de Heinrich Harrer, Sete anos no Tibete (1953). Além de uma melhor compreensão sobre a origem do estado das coisas no ocupado território tibetano, despertou-me o facto de ali vir referenciada a presença pioneira do jesuíta António de Andrade (1580-1634) enquanto primeiro europeu a alcançar e a estabelecer missão no Tibete.

Na sua estadia em Lassa, Harrer deparou-se no templo de Tsug Lag Khang, catedral budista, com um sino pendurado no tecto e com a inscrição "Te Deum Laudamus". O sino terá ficado como possível memória que os tibetanos quiseram guardar da presença da missão jesuíta.

Este episódio literário, fez-me lembrar um outro da pena de Eduardo Moreira sobre o incidente dos sinos «luteranos» que, talvez ainda hoje, ressoarão em algumas igrejas portuguesas.

Parafraseando Moreira, no ano de 1529, uma remessa de cobre enviada de Portugal para o reino dinamarquês, foi tomada pela facção cristã-reformada que ali se sobrelevava contra o poder real. O regente português, D. João III, pediu mais tarde uma indemnização e recebeu de volta um conjunto de sinos confiscados às igrejas de Copenhaga.

D. João III ainda tentou a devolução dos sinos ao novo regime dinamarquês, mas estes foram novamente devolvidos sob a ameaça que, caso Portugal não os quisesse, estes seriam convertidos em peças de artilharia.

Chegados a Lisboa, estes traumatizados sinos foram distribuídos a título provisório por terras portuguesas na esperança que os luteranos pudessem sair da coroa dinamarquesa. Todavia, a Reforma Protestante perdurou na Dinamarca e os sinos silenciaram-se na memória do nosso rei.

Como diz Moreira e relembrando as reflexões de John Donne, o sino é o «arauto do sermão». Chama o fiel à igreja, relembra o dever da oração e o louvor a Deus. O sino tem sido também anúncio de morte, alarme, revolta ou de simples apelo à introspecção.

Os sinos vão sendo substituídos por melodias gravadas ou impedidos de tocar porque incomodam o sono urbano. Com o desaparecimento das torres sineiras, desaparece progressivamente um sentido de consciência e da questão... Para quem tocam os sinos?

João Paulo Henriques

HARRER, Heinrich (1953), Sete anos no Tibete, Edições Asa, Porto
MOREIRA, Eduardo (1957), Crisóstomo Português, Elementos para a História do Púlpito, Junta Presbiteriana de Cooperação em Portugal, Papelaria Fernandes, Lisboa
 
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