José Augusto Santos e Silva e Joaquim dos Santos Figueiredo
Neste esfusilar de centenários de repercussão mundial, ora do nascimento ora da morte: ele é o Galileu, o Calvino, o Shakespeare, o Baden Powell, o Dante, e em breve o Kipling… aparecem-nos dois, muito mais familiares nossos, mais perto do nosso coração: o do nascimento do Pastor Santos e Silva, que passou há treze escassos meses (como o tempo corre!) e o do bispo-eleito Santos Figueiredo, que data de há poucos dias.
Eram contemporâneos e foram amigos, exercendo a sua acção nos mesmo quadros e com tintas diferentes, mas desenho de fundo idêntico.
Lembro-me de ambos, nos traços que os aproximam e no colorido que os diversifica. Santos e Silva, baixo e miudinho, de passo estudado e cauteloso, elevando o busto ao buscar altura, cumprimentando sempre, com receio de cometer faltas devidas à fraca visão; lá vai subindo a caminho de casa, a rua lisboeta do Conde, que ladeia o chafaris barroco das Janelas Verdes, enquanto Santos Figueiredo se dirige ao lar pela paradela rua de S. João da Mata, parando aqui e ali, na conversação que entretém com seus companheiros, sempre dispostos a escutá-lo, e com proveito.
Ambos confiam uma barba simpática, de talhe que vem de antes do meado do século. Ambos poderiam empenhar alguns pêlos dela, como penhor de honradês, à maneira de D. João de Castro. São homens de ética segura, dum cristianismo prático e viril. Se usassem brasão como os fidalgos de antano, “Testemunho” seria a divisa do primeiro; “Liz” seria a do segundo. Notai a identidade. Isto, em meu Juízo, pelo que de ambos conheci.
Deixaram-nos eles dois hinos que são a expressão poética da sua trajectória terrena. Cantou Santos assim (hino 531 de Salmos e Hinos): “Eu nas trevas vagueava… Triste é o viver nas trevas… Bela é a vida, mas a vida de luz, de paz e amor”. E Santos e Silva cantou assim (hino 504 de S. e H.): “Ó minha alma que dita anelada, considera! Tu vais disfrutar… Anuncia que esta graça só Deus pode dar”.
Luz que testemunha, e testemunho que ilumina: diferença de perspectivas, contraste de caracteres.
Ambos bastante alegres, mas de jocosidade comedida e a propósito; guardo de ambos a recordação saudosa do seu discretear. Houvesse porventura espaço e tempo, e paciência para me lerdes!
Um fora tipógrafo, como outros ilustres portugueses (noutro lugar o disse já, no centenário de Santos e Silva): muito lido e experimentado, e sujeitando-se todo o seu “saber de experiência feito”, como disse o Poeta, à ânsia de evangelizar. O outro fora sacerdote romano e avis rara republicana na sua diocese; e, bom latinista, vindo duma época de forte indignação em face aos abusos ultramontanos, aplicou o seu bom vernáculo no ataque vigoroso aos erros religiosos e consequente prática.
Se para um o mandato imperativo da consciência era a Evangelização, para o outro era a Reforma; se para o primeiro o plano a realizar estava na Missão, para o segundo estava na Igreja.
Ambos certos. O Deus de Arão é o Deus de Amos; o Deus de Ezequiel é o Deus de Esdras. Na Missão está a Igreja em potência, e na Igreja está a Missão em continuidade imperiosa. E o Espírito de Deus distribui os dons como entende.
Santos e Silva, congregacional, trazia a democracia para a Igreja, e Santos Figueiredo, episcopaliano, ansiava por colocar a Igreja na democracia. Ambos amavam o povo, as vidas, as almas; e o amor é o que mais importa, o que tudo importa.
Honra-me o facto de ter trabalhado com ambos. Na adolescência secretariei Santos e Silva, quando um descolamento da retina o impediu de ler e escrever. Depois, por muitos anos, foi íntimo o contacto que tivemos e me ajudou moral e espiritualmente na vida.
Com Santos Figueiredo fiz parte de várias comissões de importância no evangelho geral, nomeadamente a da revisão da versão bíblica de Almeida, uma das muitas a que tem sido sujeita a irreconhecível versão, e a da revisão do hinário, infelizmente e injustamente malograda. Mas dessa faina das revisões há muito para dizer, numa outra altura: história “de proveito e exemplo”, como dizia o nosso Trancoso.
Neste esfusilar de centenários de repercussão mundial, ora do nascimento ora da morte: ele é o Galileu, o Calvino, o Shakespeare, o Baden Powell, o Dante, e em breve o Kipling… aparecem-nos dois, muito mais familiares nossos, mais perto do nosso coração: o do nascimento do Pastor Santos e Silva, que passou há treze escassos meses (como o tempo corre!) e o do bispo-eleito Santos Figueiredo, que data de há poucos dias.
Eram contemporâneos e foram amigos, exercendo a sua acção nos mesmo quadros e com tintas diferentes, mas desenho de fundo idêntico.
Lembro-me de ambos, nos traços que os aproximam e no colorido que os diversifica. Santos e Silva, baixo e miudinho, de passo estudado e cauteloso, elevando o busto ao buscar altura, cumprimentando sempre, com receio de cometer faltas devidas à fraca visão; lá vai subindo a caminho de casa, a rua lisboeta do Conde, que ladeia o chafaris barroco das Janelas Verdes, enquanto Santos Figueiredo se dirige ao lar pela paradela rua de S. João da Mata, parando aqui e ali, na conversação que entretém com seus companheiros, sempre dispostos a escutá-lo, e com proveito.
Ambos confiam uma barba simpática, de talhe que vem de antes do meado do século. Ambos poderiam empenhar alguns pêlos dela, como penhor de honradês, à maneira de D. João de Castro. São homens de ética segura, dum cristianismo prático e viril. Se usassem brasão como os fidalgos de antano, “Testemunho” seria a divisa do primeiro; “Liz” seria a do segundo. Notai a identidade. Isto, em meu Juízo, pelo que de ambos conheci.
Deixaram-nos eles dois hinos que são a expressão poética da sua trajectória terrena. Cantou Santos assim (hino 531 de Salmos e Hinos): “Eu nas trevas vagueava… Triste é o viver nas trevas… Bela é a vida, mas a vida de luz, de paz e amor”. E Santos e Silva cantou assim (hino 504 de S. e H.): “Ó minha alma que dita anelada, considera! Tu vais disfrutar… Anuncia que esta graça só Deus pode dar”.
Luz que testemunha, e testemunho que ilumina: diferença de perspectivas, contraste de caracteres.
Ambos bastante alegres, mas de jocosidade comedida e a propósito; guardo de ambos a recordação saudosa do seu discretear. Houvesse porventura espaço e tempo, e paciência para me lerdes!
Um fora tipógrafo, como outros ilustres portugueses (noutro lugar o disse já, no centenário de Santos e Silva): muito lido e experimentado, e sujeitando-se todo o seu “saber de experiência feito”, como disse o Poeta, à ânsia de evangelizar. O outro fora sacerdote romano e avis rara republicana na sua diocese; e, bom latinista, vindo duma época de forte indignação em face aos abusos ultramontanos, aplicou o seu bom vernáculo no ataque vigoroso aos erros religiosos e consequente prática.
Se para um o mandato imperativo da consciência era a Evangelização, para o outro era a Reforma; se para o primeiro o plano a realizar estava na Missão, para o segundo estava na Igreja.
Ambos certos. O Deus de Arão é o Deus de Amos; o Deus de Ezequiel é o Deus de Esdras. Na Missão está a Igreja em potência, e na Igreja está a Missão em continuidade imperiosa. E o Espírito de Deus distribui os dons como entende.
Santos e Silva, congregacional, trazia a democracia para a Igreja, e Santos Figueiredo, episcopaliano, ansiava por colocar a Igreja na democracia. Ambos amavam o povo, as vidas, as almas; e o amor é o que mais importa, o que tudo importa.
Honra-me o facto de ter trabalhado com ambos. Na adolescência secretariei Santos e Silva, quando um descolamento da retina o impediu de ler e escrever. Depois, por muitos anos, foi íntimo o contacto que tivemos e me ajudou moral e espiritualmente na vida.
Com Santos Figueiredo fiz parte de várias comissões de importância no evangelho geral, nomeadamente a da revisão da versão bíblica de Almeida, uma das muitas a que tem sido sujeita a irreconhecível versão, e a da revisão do hinário, infelizmente e injustamente malograda. Mas dessa faina das revisões há muito para dizer, numa outra altura: história “de proveito e exemplo”, como dizia o nosso Trancoso.
Eduardo Moreira,
Rostos que vi, mãos que apertei,
Portugal Evangélico, nº 529-530, Novembro-Dezembro de 1964, pp. 7 e 12.