A memória de quem muito viveu e conviveu, se sobrevive, é um chão coalhado de cruzes cristãs; e também de estelas nuas, ou portadoras de outros símbolos, recordando amigos professos de outro credo, ou sem credo nenhum confessado (digo confessado; que não se vive sem credo, confessado ou não).
Max Zeerleder
Agora me chega a notícia da morte serena, depois de uma vida fecunda, de uma pessoa que admirei, apreciei e estimei: três graus da escala de que tantos são carecidos, para seu próprio prejuízo.
Ao arquitecto Max Zeerleder deve a Berna dos últimos decénios talvez metade, ou talvez mais, dos seus edifícios, que têm a sorte invulgar de se verem emoldurados na salubérrima vegetação da cidade-bosque.
Conheci-o já no derradeiro quartel da vida, em duas últimas visitas nossas àquela cidade: exemplo de devotamento inteiro à causa comum, paradigma de consciências alertadas pela nova invasão barbárica que vai devastando ideais, destruindo planos, semeando dúvidas, cavando abismos, sofisticando virtudes; e tudo usando com o slogan da técnica como se se tratasse dum bando de crianças brandindo navalhas de barba!
Inconformado com a inércia de uns e o delírio de outros, o arquitecto Zeerleder ingressara há anos no “Rearmamento Moral” a que deu todas as suas energias de consagrado ao bem comum.
Recordo-o, há meses, já alquebrado mas resistente, querendo ainda escrever uma mensagem bíblica, e conseguindo-o dificilmente com sua mão trémula; acamaradando com as crianças; sorrindo sempre, e expondo em palavras certas o seu desejo de bem.
Ana Huber
Outra bernesa partiu há poucos meses para a Pátria celeste, esta uma boa amiga de Portugal residente no Brasil, sua segunda pátria: Ana Huber. Carácter firme, mente lúcida, atravessou com a indiferença de quem mais alto voa, a crise racionalista e egocêntrica, dos “pro” e dos “contra” e dos “sim, mas…”, desse frágil orgulho intelectualista, de incoerência mal disfarçada, dos que combatem a razão com argumentos que a razão sustenta. Não julgava; e assim nem se prendia no que poderia ser insultuoso. Amava, aconselhava, vivia o Evangelho pelo testemunho evangélico. O seu pensamento não descia às barricadas dos fragmentos de crença arruinada, feitas para o tiroteio desleal e desafectuoso. Olhava para mais alto, à espera do regresso do seu Senhor, que na visão espiritual tinha como verdadeiro horizonte da Igreja viva. Ana Huber! Deixou-nos um rasto de luz suave, um eco de brandos sons que nos transportam.
Max Zeerleder
Agora me chega a notícia da morte serena, depois de uma vida fecunda, de uma pessoa que admirei, apreciei e estimei: três graus da escala de que tantos são carecidos, para seu próprio prejuízo.
Ao arquitecto Max Zeerleder deve a Berna dos últimos decénios talvez metade, ou talvez mais, dos seus edifícios, que têm a sorte invulgar de se verem emoldurados na salubérrima vegetação da cidade-bosque.
Conheci-o já no derradeiro quartel da vida, em duas últimas visitas nossas àquela cidade: exemplo de devotamento inteiro à causa comum, paradigma de consciências alertadas pela nova invasão barbárica que vai devastando ideais, destruindo planos, semeando dúvidas, cavando abismos, sofisticando virtudes; e tudo usando com o slogan da técnica como se se tratasse dum bando de crianças brandindo navalhas de barba!
Inconformado com a inércia de uns e o delírio de outros, o arquitecto Zeerleder ingressara há anos no “Rearmamento Moral” a que deu todas as suas energias de consagrado ao bem comum.
Recordo-o, há meses, já alquebrado mas resistente, querendo ainda escrever uma mensagem bíblica, e conseguindo-o dificilmente com sua mão trémula; acamaradando com as crianças; sorrindo sempre, e expondo em palavras certas o seu desejo de bem.
Ana Huber
Outra bernesa partiu há poucos meses para a Pátria celeste, esta uma boa amiga de Portugal residente no Brasil, sua segunda pátria: Ana Huber. Carácter firme, mente lúcida, atravessou com a indiferença de quem mais alto voa, a crise racionalista e egocêntrica, dos “pro” e dos “contra” e dos “sim, mas…”, desse frágil orgulho intelectualista, de incoerência mal disfarçada, dos que combatem a razão com argumentos que a razão sustenta. Não julgava; e assim nem se prendia no que poderia ser insultuoso. Amava, aconselhava, vivia o Evangelho pelo testemunho evangélico. O seu pensamento não descia às barricadas dos fragmentos de crença arruinada, feitas para o tiroteio desleal e desafectuoso. Olhava para mais alto, à espera do regresso do seu Senhor, que na visão espiritual tinha como verdadeiro horizonte da Igreja viva. Ana Huber! Deixou-nos um rasto de luz suave, um eco de brandos sons que nos transportam.
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“Bem-aventurados os que morrem no Senhor”, diz-se-nos na visão de Patmos. Agora nos chegam outras notícias que abrem novas feridas de saudade: o Coronel Daniel Perdigão, fiel companheiro no testemunho; os Pastores Mota Sobrinho e João José Dias; o Dr. João Wollmer; os missionários Anastácia Tatton, João Badertscher, Ernesto Juillerat; Elias dos Santos e Silva e por fim, o cónego Josué de Sousa… E segue o cortejo final e nunca findo, hoje um, amanhã outro, até que os mesmos nos incorporemos nas hostes do Triunfo, com diferente folha de serviço, mas atingidos pela mesma graça.
João Marques da Mota Sobrinho
Dos de África falarei um dia com cenário próprio e gratidão justamente orquestrada. Hoje lembro João Marques da Mota Sobrinho, artista da palavra escrita e falada, ministro da Palavra de alocução que atraía e prendia grandes auditórios, cinzelador da prosa castiça, que ainda agora nos encanta, ao lermos, deliciados pelo sua vernaculidade e beleza, a tradução por ele feita do excelente livro do secretário geral do Conselho Mundial das Igrejas, Dr. W. A. Visser’t Hooft – “A Realeza de Jesus Cristo”.
Repazelho de Viseu chegado ao Brasil, como calhau arrancado da Serra da Estrela, que foi pedir meças aos diamantes da nova Pátria, era um coração afectuoso. Tive-o em certa época da mocidade como amigo provado, um irmão mais velho, um dos que a minha saudade e admiração regista, como outros foram: Domingos de Oliveira, Myron Clark, João Borges Lagos, Fernandes Braga Júnior, Matias dos Santos, para só aqui lembrarmos esse maravilhoso Brasil de que percorri oitenta cidades.
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Mas nomear, de que vale? Hei-de-vos contar, se Deus quiser, casos que ajudem, ainda que com humildade, a construir um pouco a consciência colectiva do nosso cristianismo reformado, a um tempo regressivo e evolutivo, santamente revolucionário e prudentemente ordeiro. Se for lido, isto é, se valer a pena!
Samuel Schwarz
Conheci o engenheiro Samuel Schwarz devido a certa informação literária que me pediu. Ficamos amigos, e como tal me ofereceu ele o precioso livro da sua autoria “Os Cristãos Novos em Portugal no Século XX”. Na dedicatória inclui aí o qualificativo de “Amigo dos Judeus”, que me trouxe honrosa e salutar responsabilidade, maior que já antes sentira. A sua biografia está publicada, quantos aos sucessos com que em geral constituem, mas onde falta o calor humano, de que vos poderei dar sucinta noticia.
Judeu polaco, irmãos carnais seus foram mortos pelos alemães anti-semitas; e foi com essa morte nos olhos da alma que ele veio para a nossa Península, obtendo revalidação do seu diploma de engenheiro de minas, em Espanha e Portugal, e naturalizando-se mais tarde cidadão português. Foi no trabalho das minas, na Beira Baixa, em convívio com comerciantes e funcionários, que se encontrou com luso-hebreus, muitos deles “cripto-judeus”, com os quais obteve o ineditismo da sua sábia investigação.
Também sua esposa, muito distinta senhora, judia russa, sofrera. Seu pai, Samuel Barbasch, rico banqueiro em Odessa, morrera em inanição, encerrado pelos bolchevistas num compartimento do seu próprio palácio.
Que acolhedora era a sua hospitalidade, em Lisboa, frente ao belo samovar russo! Recordando os horríveis sucessos passados e gozando agora a pax lusitana, não se sentia contudo ódio naquele lar.
A Nação Portuguesa ficou devendo a Schwarz a oferta do edifício do século XV que foi a Sinagoga de Tomar e se destinou agora, por sua vontade, ao Museu Luso-Hebraico, e a sua magnífica biblioteca desse erudito hebraizante. Não menos valioso é o seu espólio literário, obras de relevância indiscutível no campo histórico e arqueológico, e uma versão directo do hebraico em aparato crítico, do “Cântico dos Cânticos”. É lamentável que não se saiba onde pára a versão terminada do livro de Ester, para a qual, como para o anterior, esse artista inconfundível que foi fez as ilustrações. João Carlos me disse que não tinha conhecimento do seu destino.
E para terminar: Samuel Schwarz disse-me um dia, com os olhos marejados: “Meu amigo, eu sei como é superior a ética do Novo Testamento. Mas, como tem sido possível aos cristãos, possuidores dessa moral, perseguirem tão cruelmente os judeus?
Ouvi-o com simpatia e vergonha.
Eduardo Moreira,
Rostos que vi, mãos que apertei,
Portugal Evangélico, nº 531-533, Janeiro–Março de 1965, pp. 5-6.
Rostos que vi, mãos que apertei,
Portugal Evangélico, nº 531-533, Janeiro–Março de 1965, pp. 5-6.